Da Arte e do seu Preço

Texto: Px Silveira

Ao participar da 3ª edição da Fargo, o fazemos com uma proposta factual, a que damos o nome de Prix Unique (ver estande A Menor Galeria do Mundo), e outra conceitual, que aqui procuramos expandir. Vejamos.

“Dinheiro é glória”. Engana-se quem pensa que essa frase saiu da boca do Edir Macedo. Veio de Salvador Dali. Mas é claro que a glória a que ele fazia menção não é a mesma daquela de um Romero Britto, glorioso à sua maneira.

Dinheiro é glória e, de preferência, para ser usado sem moderação. Para obtê-lo, que tal a arte? Eu reputo ser essa a maior das glórias, fazer ou investir em arte. Não qualquer arte, tampouco qualquer artista.

Especular, isso não é preciso para o bom investidor. Questionar o ganho dos artistas é um sintoma da canalhice de todos os tempos. “Só a música doentia dá dinheiro hoje”. Engana-se quem pensa que essa frase foi dita nessa semana. Foi Nietzsche quem a proferiu, unicamente por desdém.

Ser comercial, isso também não é preciso para o artista, se já é mais do que óbvio que o preço de uma obra não é determinado pela soma dos seus custos de produção: a matéria-prima mais o tempo de trabalho.

O que o determina, então?

Não há dúvida de que Leo Pincel é um excelente artista. Principalmente porque sua obra, honesta, não está dissociada de sua maneira de viver. E coisa um tanto rara entre artistas: ele é coerente consigo mesmo. Mas não o é com o mercado, que não o perdoa. Por isso sua obra, ao menos por enquanto, vale bem menos do que mereceria.

Confaloni é outro exemplo de discrepância entre valores (no caso, artístico e histórico) e preço. Perguntem ao Siron Franco, que afirma aos quatro ventos que um Confaloni, para sermos justos e exatos, não poderia custar menos que R$100 mil a peça (devido à inflação -e o ano em que Siron fez primeiramente essa afirmação, um Confaloni já não poderia custar menos que R$150 mil). E no entanto…

Que maravilha e justiça divina (parodiando Dali) é Marcelo Solá chegado a R$100 mil ou quase (sem mencionar a inflação). E se ela vai longe, a inflação, mais longe ainda vai a valoração da arte. Pois Solá nem histórico é, ainda. Imagina, então, quando for.

Compre Solá compre Solá compre Solá. Esse é o mantra. Compre Siron, compre DJ, compre Leo Pincel, compre Cleber Gouvêa, compre Juliano Moraes, compre Dalton Paula, compre Poteiro, compre Fogaça, compre Tai, o mais importante pintor chinês em atividade no Brasil. Compre arte também para ganhar dinheiro que não se arrependerá.

E não se iluda quem possa me ver como um mero “atravessador”, uma vez que vivo das obras de arte dos outros, sem jamais ter feito uma.

A afirmação acima resplandece diante do fato de que bem sabemos que a questão da valoração da arte deve ser colocada em sua forma mais contundente e direta: quem é o verdadeiro produtor do valor da obra, o artista, sozinho?  Ou com ele o crítico de arte, o curador de museu, a imprensa, o marchand?

Entre os autores da valoração de uma obra de arte devemos incluir (até mesmo) o público, que ajuda a montar seu preço apropriando-se dela materialmente (colecionadores) ou simbolicamente (dando likes, frequentando, incorporando-a em suas relações). Todos atuando para lhe dar reconhecimento social e, consequentemente, valor de mercado.

Em assim sendo, que ao menos uma coisa fique bem clara -se as demais não consegui clarear para quem leu até aqui em busca de se glorificar: para seguir tranquilo, de consciência sã e bolso ídem é preciso antes de mais nada saber distinguir a arte dos negócios do negócio das artes. Como?

Se as galerias e escritórios de arte, vendedores ambulantes e congêneres charmosinhos reclusos em seus cálidos apartamentos não são nem mais nem menos comerciais do que as casas de leilões ou as empresas capitalistas em geral que vivem da oferta e da procura, então, é claro que podemos afirmar que por este lado a arte é mesmo uma mercadoria como outra qualquer. Com o diferencial de ter o maior prazo de validade entre elas.

A bem da verdade, a arte dos negócios e o negócio das artes se confundem, fundindo bolsos e mentes.

A boa notícia é que não é mais preciso ter nenhum escrúpulo em ser padrinho de casamento entre a arte e o dinheiro. A dúvida é se a felicidade será à prova de matrimônio. Muito provavelmente, sim, diria, pois valores estético, modista, artístico e histórico redundam em valor comercial, hoje e para sempre.

Van Gogh, solteirão, não vendeu mais que uma obra em vida, e não foi porque não quis. Foi porque, isso sim, no contexto de sua época elas não valiam nada mesmo, dissociado que ele era dos ditames que a formatavam.

E se queremos, como de fato, viver no tempo histórico em que respiramos, não podemos fazer ouvido mouco ao fato esperto de que mesmo quando não rende dinheiro, a arte com ares de difícil pode ser usada e abusada, seja pelos próprios artistas seus criadores ou não, seja por quem a detém ou quem a “compreende”; ou seja até mesmo pelas instituições que supostamente existiriam para representa-la.

Esse uso e abuso se dão para acumular capital social e baciadas de vanitas, com a decorrente credibilidade ou prestígio gerados para atender aspirações políticas ou duvidosas legitimações teóricas supostamente superiores, com tudo encoberto por uma névoa vanguardista ou um descarado (des)propósito intelectual. Lembrou de alguém?

Para concluir, ao fazer esse muito limitado cotejamento de arte e valor, nosso desejo não é lhe vender nada, acredita?, é tão somente criar interações provocativas entre a unicidade de uma obra artística e o mero money, preço e saldo, ao mesmo tempo que reconhecer o que está acima de qualquer suspeita, a nossa cumplicidade.

Px Silveira é um dos mais articulados agentes culturais do Estado, tendo criado e implantado importantes projetos de artes como a “Galeria Aberta” (anos 1980) e  “Bienal de Arte Incomum” (anos 1990), ambos em Goiânia. Além disso, Px também atua como pesquisador, videodocumentarista e autor de vários livros com temática artística. Colecionador e galerista, participa da FARGO 2021 com sua “A menor galeria do mundo”.

 

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