André Felipe Cardoso, Inventor de Paisagens

Texto: Marco Antônio Vieira

 

A poética de André Felipe Cardoso materializa-se à maneira de uma coleção de imagens de bolso. A reduzida dimensão de suas obras equivale à portabilidade de composições em que tudo é rastro, traço, vestígio da memória. Em sua obra, o mnemônico é antes objeto de ressignificação poética que fidedignidade documental.

Suas micro paisagens ou encenações quase oníricas são alusivas de uma delicada e filigranada ourivesaria dos materiais. Em Cardoso, os motivos figurativos de origem fotográfica rendem-se à pura plasticidade dos efeitos abstratos que se atingem em sua sintaxe, por meio de um laborioso exercício de marcar o papel que utiliza como base composicional. O gesto de colar e posteriormente arrancar o papel repetidamente produz relevo: cicatriz papírea da lembrança na obra.

Tudo em André Felipe Cardoso obedece à materialidade que indexa o tempo e as temporalidades nestes haiku visuais. Assim, a goma- laca indiana, o betume , o carvão, o nanquim , o grafite, o pastel seco contribuem para a escrita destes curtos porém densos poemas iconográficos em que a paisagem se converte em um motivo figural que acaba por abalar sua ancoragem histórica que remete à própria antiguidade muralista romana e cujo estabelecimento acadêmico como gênero pictórico se dá em definitivo no século XVII.

No jovem artista goiano, contudo, a paisagem nunca ambiciona qualquer princípio mimético de orientação naturalista. Sua interpretação do paisagístico convulsiona sua passeidade histórica e aponta para um processo de contaminação em que o figurativo só emerge como elemento de uma proposição fronteiriça, em que abstracionismos de uma linhagem lírico-expressionista – ranhuras, nódoas, trechos cromáticos – comandam a abordagem morfológica de Cardoso.

É desta espécie de entre-lugar interhistórico, como nos instrui a teórica holandesa Mieke Bal, que André Felipe Cardoso retira a singularidade de sua contribuição artística: em sua obra, o que se vê na superfície é a condição de concretude do objeto bidimensional que a pintura modernista reclamará como sua ontologia.

Confundem-se, em sua poética, pintura abstrata e apropriação fotográfica, figurativismo e abstracionismo, bi e tridimensionalidade, objeto e imagem.

 

Toda esta crioulização, a seguirmos como Édouard Glissant batiza o hibridismo, que subverte definições longamente cultivadas pela História da Arte, conduz-nos justamente ao centro de pulsação desta obra cuja delicadeza e tamanho ocultam uma intrigante complexidade: estar diante destas imagens e compreender seus meandros para a Teoria da Arte é como estar diante da pletora de motivos heteróclitos que constituem as paisagens que povoam nosso campo de visão na contemporaneidade. Que se as [re]inventem delicadas e graciosas em Cardoso nos concede um estranho e inesperado respiro paisagístico.

 

Marco Antônio Vieira

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